quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Entrevista a Kayam Sonedra

Fãs de Kayam Sonedra:
Encontrei, num pequeno alfarrabista da capital (não digo qual, espero que compreendam), um livro que é uma colecção de entrevistas feitas a artistas pouco conhecidos. Curiosamente, encontrei uma entrevista feita a Sonedra, da qual tirei um pequeno excerto para o deleite dos amantes da sua escrita e arte em geral!

"(...)P - Começou pela escrita. Pode falar-nos disso?
KS - Sim... A primeira vez que descobri a necessidade completamente incontornável de criar algo a partir das formas que surgiam na minha mente, foi tão forte a sensação que quase desmaiei. Quando recuperei a consciência tinha o meu primeiro texto (monte plúbio) fotografado na minha mente. Uma barragem tinha-se aberto e as palavras fluíam. Não, não era bem como uma barragem... Era mais como uma metrelhadora de fotografias a textos, um strob inacabável de imagens. Foi também a partir dessa imagem/momento que mais tarde me interessei pela fotografia.

P - Já vamos à fotografia. Primeiro, o que é que torna a sua escrita tão particular?
KS - Primeiro, a ilusão triste de uma época sombria do pós guerra. Claro que muita gente é influênciado por isso, mas o que difere, penso eu, é a ligação disso com as minhas outras influências.

P - Tais como?
KS - Houve uma época que frequentava o "doce cálice", bar de artistas, intelectuais e revolucionários, destruído num atentado de extrema direita. Lá conheci figuras como Karol Metinski, pintor surrealista de traços minimalistas a carvão, que me fez ver a beleza de um traço e que tentei reproduzir com a minha escrita e mais tarde também com a fotografia; havia outro senhor obscuro que nunca disse o seu nome a ninguém, nunca permitia que lhe desse alcunhas ou designações de qualquer espécie, porque estava a trabalhas sobre a ausência do indivíduo em pessoas concretas. Transmitia as suas ideias pela pintura, onde utilizava vários pontos de fuga, e a noção tridimensional como forma de nos fazer entrar na obra, jogando depois com as diferentes dimensões, tanto na clarificação do contexto como na evidênciação dos conflitos inerentes à despersonalização do indivíduo num paradigma real de guerra, morte e ressureição alegórica. Isto influênciou a minha utilização de "nonsense" e da representação axiomática daquilo que as pessoas chamam "dom" e que eu denomino apenas por "pedantismo" na escrita, fotografia e pintura.

P - Estou a ver que não consegue separar as diferentes artes que pratica. Todas elas refletem as mesmas ideias?
KS - É impossível separar as coisas dessa forma. Tudo flui do mesmo ser e sou influênciado inconsciêntemente pelo mundo à minha volta... posso talvez dizer que não intereesa o que fazemos mas como o fazemos. Não intereesa se estamos a escrever, a fotografar, pintar, esculpir, etc.. Isso são apenas estados de espírito. Por exemplo, escrevi o texto "Ovo em Decomposição", mas poderia ter pintado um quadro. O importante foi a utilização da técnica destrutiva. Ou na minha pintura com colagens "Queda de Homem do Telhado e Quebra de Membros Inferiores com Fractura Exposta" onde o importante não foi a técnica mas a ideia da fragilidade do cosmos no caos, como escrevi no meu primeiro livro. (...)"

1 comentário:

Cruztáceo disse...

Brutal!Excelente!
Uma joia rara da cultura contemporanea!